domingo, 11 de janeiro de 2015

Um Relato do Inicio, retirado dos diários da esposa de Tertuniel



Um relato do Início 
Retirado dos diários da esposa de Tertuniel

A história é longa e creio que não valha a pena contar-lhe; você não seria capaz de entender. — ele começou a contar, chateado com minha peremptória insistência a conhecer sua história. — A muito, muito mais tempo do que um mortal poderia conceber, no irromper dos primeiros acordes da Canção que fez e mantém o mundo, havia um trono vazio no alto de uma escadaria numa cidade deserta feita de ouro e de prata, acima de tudo que havia até então; não que houvesse muita coisa:
As estrelas já reinavam em sua argêntea morada, clamando serem filhas de deuses e luzes que seja lá o que fossem; já haviam se derramado na Criação; o Abismo já existido àquela altura, mesmo que as criaturas dentro dele ainda não houvessem emergido, vivo e dotado de uma certa inteligência primitiva que o fazia perceber não só sua existência como também a existência da Origem, a luz dourada que brilha acima da Cidade Elevada, é dela que derivam os três precursores da minha raça.
 Yaveh, o primeiro, aquele que se assentou no Trono, o mais poderoso de todos; em seguida veio o brilhante Heylel, o insubordinado e o último Anjo Superior, a quem chamo mãe, era uma criatura sombria e estranha, temida por muitos, Izrail, a quem mais tarde vocês chamariam Morte. Yaveh assentou-se no Trono do Sétimo Céu, e utilizando-se da força da Origem criou todos os anjos, começando pelos sete mais elevados: Miguel, Gabriel e Rafael, que posteriormente seriam enviados a a Terra nos dias anteriores ao dilúvio e aqui permaneceram; Uriel, Sealtiel, Jegudiel e Baraquiel assentaram-se nos portões que dividem o Sétimo e Sexto Céu, guardando o caminho para o Trono, nesta época, minha mãe os comandava.
Meu pai era um Querubim, a ordem dos anjos guerreiros, comandados nesta época pelo brilhante Heylel, e ficou ao seu lado quando este decidiu tomar à força o Sétimo Céu e o Trono. Não havia muita esperança, nenhum dos Serafins e dos Arcanjos aderiu a revolta, mas um terço de todos os anjos estavam ao lado de meu pai e seu líder, a batalha foi incomensurável; minha mãe invadiu secretamente o Sétimo Céu para obter a resposta de como vencer a batalha, a Origem a respondeu, mas também criou junto a ela meu irmão, Azrael e algo ainda mais mortal que os primeiros anjos.
Antes do último golpe, ela encontrou-se com o general dos exercitos de Heylel, meu pai, dando-lhe uma oportunidade de rendição que lhe foi negada. No entanto, os dois apaixonaram-se e coabitaram, ardendo em amor e glória na noite que antecedeu a última batalha, eu fui concebido naquele instante, mas ainda não havia aberto meus olhos, adormecido enquanto durasse a guerra.
Comandados por minha mãe, todas as forças do Céu ergueram-se contra Heylel e Samael, meu pai, jogando-os do Sexto Céu, jogando-os no Abismo. Não havia como derrotar os anjos caídos definitivamente, soube Izrail, mas havia como criar uma prisão praticamente inexpugnável, juntando a energia da queda de Heylel, com o poder dela e de Yaveh; cinco céus foram criados para guardar os inimigos do Trono.
Cada vez mais abaixo, prendendo-os em energia densa até que o Segundo Céu explodisse numa nuvem de escuridão e luz que criou todos os planetas, toda matéria, e os corpos físicos das estrelas que decidiram presidir um lugar próximo dos acontecimentos.
O primeiro céu é na verdade, o céu de todos os planetas, mas costumamos entender que este lugar é aqui, a abobada azul acima da Terra, onde finalmente todos os anjos caídos foram presos.
Era necessário, porém um guardião cuja própria existência seria a chave que trancaria esta prisão; o fim da magia antiga, longe demais da Canção para que pudessem entendê-la: Adão e sua consorte.
Condenada ao exílio por ter subido ao Sétimo Céu, tocando a Origem, e também concebido um filho com Samael, minha mãe foi obrigada a partir e moldar este ser, nunca mais retornando aos céus mais elevados; ela partiu levando consigo o filho Azrael, a mim em seus braços, uma criança ainda sem nome, e seu segredo: uma espada forjada com o poder do Abismo e da Origem, uma espada de vidro, viva e poderosa o suficiente para banir qualquer existência. Fora escolha sua não matar Heylel ou mesmo tomar para si o Trono, matando Yaveh, pois o poder para tanto estava em suas mãos, dada a ela pela própria Origem quando havia estado no Sétimo Céu.
 Na fronteira, onde por sim se jogaria, caindo como os caídos que ajudara a derrotar; ela me ergueu virado para a Cidade de Prata e os anjos que a assistiam. “No Sexto Céu nasceste e aqui será batizado, meu filho, meu último ato antes da queda; aqui vos apresento Tertuniel, Encontro Divino”. Ela disse e só então acordei, vislumbrando pela primeira e última vez a cidade cuja luz ficou em meus olhos.