Tempestades e Profecias

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O Vale das Sombras 

“Escondido sob o manto da noite, caminhou descalço sobre o asfalto ciente de que ninguém perceberia seus passos em direção ao que ele acreditava ser o fim de sua história, como se a morte pudesse dar o basta derradeiro na agonizante trilha que Felipe percorria na estrada que era seu destino.

Seus passos mantinham-se reticentes, temia cometer um erro que o levaria a um caminho ainda mais tortuoso: como oráculo, o jovem sabia que esta vida é apenas uma parte da existência e o Outro Lado não era generoso para com aqueles que cruzavam forçosos seus portões. Não era a primeira vez que ele encarava a morte e seus indiferentes filhos.

Ainda assim, ele continuou. O fardo em seus ombros era pesado demais para que ele continuasse a carregá-lo sem enlouquecer. Seus dons eram prodigiosos, sua fortuna invejada, mas nada disso o consolaria em sua solidão: ele era o último de sua linhagem, sua mãe estava morta, nunca conhecera seu pai, todos os seus parentes eram primos distantes; seu namorado o deixara por uma garota, incapaz de vencer o preconceito que imperava no mundo.

Sim, Felipe era rico, talentoso e poderoso, mas trocaria tudo isso por um abraço terno. Talvez por isso, ele decidira se jogar aos braços da morte para que ela o acolhesse como uma amiga.

Abaixo de seus pés o rio Pinheiros corria fétido, tão sujo quantos os pecados daquele que invocara seres abissais para satisfazer seus desejos. Havia erros demais manchando as mãos de Felipe: quebrara tabus, invocara deuses e espíritos malignos, beijara Desejo, o filho mais novo da Morte; por fim, irrefreável, baseara sua vida em magias desleais. 

Não havia deuses suficientes no mundo para o que ele fizera com seus sonhos.

Seus pés chegaram à beirada, os carros que passavam eram incapazes de ver seu intento. Pegou-se pensando no que André pensaria quando recebesse a noticia de sua morte, a tola vingança daqueles que atravessam o véu entre os mundos para serem notados. O sofrimento de seu amado valeria o preço que estava pagando?

Silenciosamente, recitou uma prece: Kyrie eleison; Kyrie eleison. Senhor tende piedade. Não era, entretanto, uma oração a Deus pedindo a absolvição de sua alma, era na verdade, apenas o que devia ser dito, a frase final de alguém cuja vida fora repleta de palavras imperiosas. A vida de um oráculo, o último dos Casemiro, Felipe, o pecador e suicida.

De olhos fechados ele decidiu o passo, premeditou a queda. De olhos fechados ele esperou a morte para colhê-lo como uma flor e semeá-lo nas verdes colinas do Outro Lado.

Seu passo, porém não cruzou a linha, não conseguiu trilhar a estrada, não por vontade própria, mas impedido por uma mão cujo poder era ainda maior que o seu, uma força capaz de ruir planetas e colapsar estrelas. Em suas preces ele clamou pela Morte, sem esperar que Ela o respondesse.

Ela, no entanto, lhe respondeu, mas não da forma como ele esperava...”

O Vale das Sombras é sobre caminhos, sobre como as escolhas que traçamos tendem a nos ditar trilhas que nunca imaginaríamos no inicio da jornada, este é um livro sobre o destino, a morte, o desejo e, principalmente, sobre o fim.

Este livro é sobre um garoto, alguém que você não veria na rua, mesmo que ele passasse ao seu lado, a não ser que ele assim desejasse. Um oráculo capaz de prever o futuro, mover objetos, ler mentes, invocar demônios. Alguém capaz de se apaixonar.

Alguém que se tornou a própria Morte, o anjo derradeiro que cruza nossas vidas todos os dias, buscando moscas, homens e deuses como iguais. O anjo que um dia baterá em nossa porta e chamará nossos nomes. Mas o mundo está chegando ao final e ele sabe.

Em o Vale das Sombras, quatro anos se passaram desde que Felipe decidira aceitar a oferta do Anjo da Morte para tomar o seu lugar como ceifador de vidas, no entanto, trazido de volta a São Paulo, movido por uma predição sobre o fim do mundo envolvendo sua linhagem, com a missão de impedir tal destino de se cumprir, ele deve encarar o passado que deixou para trás, sabendo que jamais poderá voltar atrás em sua decisão.

O amor de sua vida está arrependido de tê-lo deixado, sofrendo a cada dia com seu suposto suicídio; um misterioso assassino surge, revivendo o modo como sua mãe fora morta; um antigo demônio ressurge trazendo consigo uma legião de lobisomens com objetivos escusos. Muitas dúvidas e apenas uma certeza: tudo está conectado.

Nesses primeiro livro da trilogia Tempestades e Profecias, as primeiras trombetas irão ressoar como trovões distantes, enquanto profetas passados rememorarão, recitando no mundo dos Mortos, suas palavras: o fim já não está mais próximo.

O fim começa agora.