quarta-feira, 20 de julho de 2016

Eu que não fumo queria um cigarro






Quando eu te deixei, eu te disse uma frase de um filme qualquer de Dolan; eu te disse que não queria desperdiçar o resto dos meus dias te amando mal, te disse também que me sentia sozinho, pois não havia ninguém comigo, eu que toda minha vida passei só, sentia um desconforto tremendo na escuridão da tua ausência que sequer deveria existir. Quando eu te deixei, eu criei essa ausência, eu criei uma desculpa para essa ausência. Se eu te deixei, foi porque eu te amava tanto que eu precisava de um motivo para perdoar a sua falta. Eu nunca perdoei.
Dito isso, estou sentado no píer, bebendo conhaque e fumando um cigarro ao som de Engenheiros do Havai, não existe coisa mais clichê do que alguém que reconhece em si que sua história de amor foi comum, mais um destes acontecimentos prosaicos que assolam o mundo deste que a Canção foi cantada. Eu te deixei porque você me deixaria de qualquer forma. Eu tive escolha?
Mas não, nenhuma dessas palavras é um lamento. Se eu não podia passar o resto dos meus dias te amando mal, desta forma, diante do meu sofrimento, eu aprendi a ser feliz em te esperar na outra vida, esta a gente aparentemente já estragou. Ou fui eu que estraguei sozinho? Desta forma, eu aprendi a te amar verdadeiramente, apesar de nunca ter aprendido o momento de seguir em frente. Você seguiu, eu não; é a vida.
Eu perdi as contas de quantas vezes sentei nesse píer nas últimas semanas. Houve momentos em que eu quis me jogar e morrer; aparecer em todas as manchetes: “jovem morre afogado na própria fúria e magoa”. E não se engane, apesar da minha aparente calma e aceitação, eu estou furioso e magoado, porque as circunstancias que se operaram no seu seguir em frente foram tão rápidas que eu me senti descartado. Não foi culpa sua, tudo que você quis foi viver.
Nos primeiros dias eu quis culpar você e dizer que você tirou minha paz, e dizer que você destruiu minha vida. É mentira. Você foi um momento dourado de pausa numa desolação que já existia bem antes de você surgir, você apenas me lembrou, quando saiu, do vazio que sempre haverá no meu mundo.
Então não, eu não vou me jogar. Porque eu sei que isso magoaria você e faria você se sentir culpado por algo que a bem verdade não é sua culpa. Você me magoou sim, você me esqueceu sim, mas isso é a vida e milhares de pessoas passaram por isso sem se jogarem em alto mar. Sem se afogarem em conhaque.
Eu sinto sua falta. Nas primeiras semanas, confesso, sentia falta do seu corpo, do seu corpo nu, do seu sexo; depois do seu cheiro, e do seu toque, sua voz enquanto gemia baixinho dizendo que era meu. Ninguém pertence a ninguém e o amor tem sempre o desejo de ser livre. Você era seu e se compartilhava comigo. No fundo, eu me orgulhava junto aos deuses, porque de todas as pessoas do mundo você havia escolhido para amar. Até que não era mais eu essa pessoa.
Hoje, percebo que o que mais sinto falta são dos seus sorrisos. Do seu caminhar indo embora de um jeito trôpego, num caminhar que eu reconheceria mesmo no escuro a quilômetros de distância. O mesmo andar que eu reconheci de longe segurando a mão de outra pessoa. Eu sinto falta de quem você era, mesmo ciente de que aquela pessoa se foi quando nós dois deixamos de ser.
“Ser” eu não sei o que fomos. Eu não sou aquele de quem seus amigos falarão daqui a dez anos, nenhum deles me conheceu. Eu não sou a história que você contará aos seus netos na velhice, talvez você sequer se lembre de mim até lá. Eu fui uma parte oculta da sua história, alguém que não pertenceu realmente a sua vida, um alguém sem lugar que, no entanto, ocupava um lugar que era nosso por direito. Um lugar que ainda existe no espaço intercalado entre nossos passos; distantes demais para serem sentidos.
Não é poético e isto me magoa: a certeza de que não há nada em sua vida que sirva de lembrança da minha existência. É como se eu não tivesse existido. Não há fotos que serão reveladas daqui a um ano, não há amigos que vão comentar da minha existência em mesas de bar. Eu vivo numa lembrança sem ancoragem e tenho medo do dia em que nem assim eu viver.
Mas não é sua culpa. Nem minha também. É culpa do mar revoltoso. É culpa do destino cruel, desditoso. É culpa dos deuses, estes sim são os culpados. Porque sabiam que você não ia ficar e me disseram. Disseram-me e ainda assim eu continuei, porque era meu desejo continuar.
Hoje, ainda é meu desejo continuar, mas não tenho meios. Em meus sonhos, não encontro fala, nem coragem sequer de abrir a porta do seu quarto e assisto — à distancia mesmo nestes sonhos — sua felicidade. Me culpando — e isto não é um sonho — por não conseguir estar feliz também.
Não me leve a mal, eu não desejo nada de ruim a você; você tem o direito de escolher, você tem o total direito de ser feliz. Eu não pertenço a essa felicidade, ela não é mais o meu lugar, o meu lugar é apenas na lembrança. Talvez em outra vida as circunstancias sejam diferentes. Nesta eu encontro conforto no que poderia ser sido. Nesta eu encontro conforto no que foi.
Eu apago o cigarro, eu jogo o resto do conhaque no mar. Que Yemanjá receba o presente e sorria, pois seu prantear é o oceano, e eu acrescentei algumas gotas de mim nesta criação.
Eu disse que não quis desperdiçar minha vida te amando mal, mas a verdade é que eu não queria desperdiçar a sua, ciente de que você estava querendo ir embora. Tudo que eu fiz até aqui foi por sua felicidade.
Eu vou desperdiçar minha vida nesse píer. E você, você trate de ser feliz; ciente que há alguém que te ama, sentado de frente pro mar, pedindo por você. Eu desejei a você toda felicidade do mundo, e você a encontrou.
E se quiser voltar, apesar de tudo, saiba que eu te perdôo, se você puder me perdoar também. E que eu posso comprar outro conhaque para bebermos juntos e ouvirmos música, mas sem cigarros. A sua respiração é a última fumaça que eu quero respirar até o fim dos meus dias.
Adeus.


Anno 8.