quinta-feira, 17 de maio de 2012

Absinto-Pecados de uma fada


Absinto, pecados de uma fada




Eu sou a noite em meus renomados mistérios
augurios  entre doces encantos a se relevar.
Eu sou a fada, bêbada, drogada e prostituída,
 e uma canção esquecida que findou sem tocar.

Natasha não deveria ter saído àquela hora, já era muito tarde para uma mulher andar desacompanhada. Era tarde demais. A Paulicéia desvairada não era um lugar para se brincar, ainda mais assim, tão bêbada numa noite chuvosa de abril.
A fada verde impregnava seu juízo perfeito. A mulher sempre fora uma boa advogada, mas agora, com seu primeiro caso perdido, estava ali, destruída e entregue, como uma ninfa bêbada, prostituída ao sabor do mais doce Absinto.
Sua maquiagem negra borrava-se inteiramente, ante a impassível água celeste, manchando o rubro vestido decotado.
Ela estava destruída, como a maquiagem que há poucas horas lhe enfeitava os olhos. Seu primeiro caso perdido fora um caso de amor, seu próprio amor.
Talvez a advogada não tivesse saído naquela noite para beber. Talvez se ela soubesse... não teria pedido mais uma dose de Absinto, mas agora era tarde, tarde demais para esperar qualquer coisa da fria noite. O pecado já a estava observando e ele a desejava.
Passando pelo beco, dobrando a esquina, finalmente sua morada. Lá ela estaria a salvo dos próprios pensamentos, lá ela estaria a salvo de si mesma e poderia dormir e esquecer suas lembranças. Mas havia uma coisa da qual nem seu lar poderia a proteger: o pecado desconhece barreiras e não pede convite.
Ela entrou e jogou suas roupas molhadas sobre o sofá encarnado. Afagou seus longos, lisos e negros cabelos simulando a mão de seu amado sobre eles. Partiu lentamente para cama a espera que esta noite passasse logo, mas a noite jamais acabaria...
Por fim, a pecadora adormeceu.
Era um completo esgar de desespero. O corredor continuava e continuava... Não parecia ter fim, mas possuía um e, lá estaria seu amado de braços dados com ela.
Correr e correr, era a única forma de chegar depressa, mas seu amado se foi. Ele dissera: “Não quero mais te ver. Acabou Natasha, você é... ocupada demais para mim, entende?” Não, ela não entendia e queria chegar logo ao final daquele corredor para poder dizer isso a ele...
Ela o amava, mas estava cansada de correr. Queria o ouvir gritar seu nome e dizer que a ama...
– Natashaaaaa...
De um susto a advogada acordou de seu sonho.
Havia sido apenas um pesadelo, não havia corredor algum. A cabeça doía e sua mente, por fim, a convencera de que tudo não passava de uma ilusão. Afinal, ela estava segura em seu quarto, não estava?
Olhou ao redor, realmente não havia corredor algum.
Era realmente seu quarto. Ali estavam seus moveis, sua cama, seu quadro, seu espelho, sua porta com um homem parado nela, era seu guarda-roupa... Um homem parado na porta!
Olhou novamente. Era apenas um engano, não havia ninguém lá.
– Natashaaaaa...
Era serio? Ela ouvira mesmo alguém falar seu nome? Não! Provavelmente ainda estava sonhando. Ela havia lido em algum lugar que às vezes quando despertamos subitamente de um pesadelo sua cabeça ainda não teve tempo de despertar totalmente e pode experimentar sensações ainda do sonho. Era isso, era isso que estava acontecendo!
Natasha levantou-se cobrindo o corpo com o edredom. Precisava encontrar o interruptor. Queria acender a luz, mas a chuva lá fora a incomodava. Sua cabeça não conseguia raciocinar direito com tantos trovões.

Tateou a parede, mas quando finalmente conseguiu encontrar o interruptor constatou que não havia luz.
– Merda de casa! – Queixou-se.
– Não fale assim do seu lar, minha garotinha. – Uma potente voz falava atrás de si, será ainda um sonho?!
Não, não era. Ao voltar-se para sua cama o viu. Lá estava o vulto negro novamente. O homem deitado em sua cama.
– Buu!
TRUUUUUMMM. Luz! Um relâmpago forte e o retorno da energia elétrica deram-se em sincronia.
Não havia mais vulto algum lá. Ele havia sumido.
– Ufa! Era só um sonho.
– Não, eu não sou um sonho Natasha, a não ser que você queira que eu o seja...
– Quem...Quem... Quem é você?
– Eu sou o mal. – Disse o ser gélido que cheio de volúpia a envolvia com seu corpo masculino.
– O que você quer.
– Hora minha criança, eu sou sua consciência. Vim para dizer a você para continuar o que você quer fazer. Sei que deseja. Sei que busca a morte. Sei que está ferida. Vá, encontre-se com Deus e faça suas perguntas...
A mão cadavérica do Pecado estava estendida como uma mão de mãe que leva a criança a lugares seguros, mas era um embuste, um pequeno engano do mal: se fingir de inocente.
– Você se diz o mal e ainda acha que eu vou com você?!
– Porque não? O bem que você tanto queria a traiu...
– È você tem razão, mas...
– Mas você ainda tem esperança que ele volte para você. Ele não vai voltar. E ele te fez de tola na frente de tanta gente. Você vai deixar isso acontecer?
Não! Não iria. Segurou a mão do Mal e flutuou com ele pela cidade. A chuva caindo em seu rosto como lágrimas... Seu ego ferido sangrando em seu coração e em sua alma perdida... Voou de mãos dadas com o Pecado para o alto.
Era só mais um dos prédios altos de São Paulo. Era só mais um edifício frio de concreto erigido pelas mãos de homens pobres, projetado pela cabeça de pessoas de classe média e provavelmente articulado do sonho de mais um magnata de meia idade.
A chuva caia... E O Mal a soltara de seus braços e apenas observava o ruflar das asas de um humano.
Natasha abriu suas asas e como um anjo às pendera para voar, sem perceber estava partindo para ares desconhecidos, para um mundo que ainda não conhecia. Ela partiu para sua Jornada eterna.
E rindo-se em extasia, o maior de todos os pecados assistia o vôo [ou a queda], a garota o havia dado ouvidos, mas quem não daria? Todos o escutam. Todos ouvem a voz do Orgulho.

TEXTO PRESENTE NO EBOOK OLHARES DA NOITE:


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