Absinto, pecados de uma fada
Eu sou a noite em meus renomados mistérios
augurios entre doces encantos a se relevar.
Eu sou a fada, bêbada, drogada e prostituída,
e uma canção esquecida que findou sem tocar.
Natasha não deveria ter saído
àquela hora, já era muito tarde para uma mulher andar desacompanhada. Era tarde
demais. A Paulicéia desvairada não era um lugar para se brincar, ainda mais
assim, tão bêbada numa noite chuvosa de abril.
A fada verde impregnava seu juízo
perfeito. A mulher sempre fora uma boa advogada, mas agora, com seu primeiro
caso perdido, estava ali, destruída e entregue, como uma ninfa bêbada,
prostituída ao sabor do mais doce Absinto.
Sua maquiagem negra borrava-se
inteiramente, ante a impassível água celeste, manchando o rubro vestido
decotado.
Ela estava destruída, como a
maquiagem que há poucas horas lhe enfeitava os olhos. Seu primeiro caso perdido
fora um caso de amor, seu próprio amor.
Talvez a advogada não tivesse
saído naquela noite para beber. Talvez se ela soubesse... não teria pedido mais
uma dose de Absinto, mas agora era tarde, tarde demais para esperar qualquer
coisa da fria noite. O pecado já a estava observando e ele a desejava.
Passando pelo beco, dobrando a
esquina, finalmente sua morada. Lá ela estaria a salvo dos próprios
pensamentos, lá ela estaria a salvo de si mesma e poderia dormir e esquecer
suas lembranças. Mas havia uma coisa da qual nem seu lar poderia a proteger: o
pecado desconhece barreiras e não pede convite.
Ela entrou e jogou suas roupas
molhadas sobre o sofá encarnado. Afagou seus longos, lisos e negros cabelos
simulando a mão de seu amado sobre eles. Partiu lentamente para cama a espera
que esta noite passasse logo, mas a noite jamais acabaria...
Por fim, a pecadora adormeceu.
Era um completo esgar de desespero. O corredor continuava e
continuava... Não parecia ter fim, mas possuía um e, lá estaria seu amado de
braços dados com ela.
Correr e correr, era a única forma de chegar depressa, mas seu amado se
foi. Ele dissera: “Não quero mais te ver. Acabou Natasha, você é... ocupada
demais para mim, entende?” Não, ela não entendia e queria chegar logo ao final
daquele corredor para poder dizer isso a ele...
Ela o amava, mas estava cansada de correr. Queria o ouvir gritar seu
nome e dizer que a ama...
– Natashaaaaa...
De um susto a advogada acordou de
seu sonho.
Havia sido apenas um pesadelo,
não havia corredor algum. A cabeça doía e sua mente, por fim, a convencera de
que tudo não passava de uma ilusão. Afinal, ela estava segura em seu quarto,
não estava?
Olhou ao redor, realmente não
havia corredor algum.
Era realmente seu quarto. Ali
estavam seus moveis, sua cama, seu quadro, seu espelho, sua porta com um homem
parado nela, era seu guarda-roupa... Um homem parado na porta!
Olhou novamente. Era apenas um
engano, não havia ninguém lá.
– Natashaaaaa...
Era serio? Ela ouvira mesmo
alguém falar seu nome? Não! Provavelmente ainda estava sonhando. Ela havia lido
em algum lugar que às vezes quando despertamos subitamente de um pesadelo sua
cabeça ainda não teve tempo de despertar totalmente e pode experimentar
sensações ainda do sonho. Era isso, era isso que estava acontecendo!
Natasha levantou-se cobrindo o
corpo com o edredom. Precisava encontrar o interruptor. Queria acender a luz,
mas a chuva lá fora a incomodava. Sua cabeça não conseguia raciocinar direito
com tantos trovões.
Tateou a parede, mas quando
finalmente conseguiu encontrar o interruptor constatou que não havia luz.
– Merda de casa! – Queixou-se.
– Não fale assim do seu lar,
minha garotinha. – Uma potente voz falava atrás de si, será ainda um sonho?!
Não, não era. Ao voltar-se para
sua cama o viu. Lá estava o vulto negro novamente. O homem deitado em sua cama.
– Buu!
TRUUUUUMMM. Luz! Um relâmpago
forte e o retorno da energia elétrica deram-se em sincronia.
Não havia mais vulto algum lá.
Ele havia sumido.
– Ufa! Era só um sonho.
– Não, eu não sou um sonho
Natasha, a não ser que você queira que eu o seja...
– Quem...Quem... Quem é você?
– Eu sou o mal. – Disse o ser
gélido que cheio de volúpia a envolvia com seu corpo masculino.
– O que você quer.
– Hora minha criança, eu sou sua
consciência. Vim para dizer a você para continuar o que você quer fazer. Sei
que deseja. Sei que busca a morte. Sei que está ferida. Vá, encontre-se com
Deus e faça suas perguntas...
A mão cadavérica do Pecado estava
estendida como uma mão de mãe que leva a criança a lugares seguros, mas era um
embuste, um pequeno engano do mal: se fingir de inocente.
– Você se diz o mal e ainda acha
que eu vou com você?!
– Porque não? O bem que você
tanto queria a traiu...
– È você tem razão, mas...
– Mas você ainda tem esperança
que ele volte para você. Ele não vai voltar. E ele te fez de tola na frente de
tanta gente. Você vai deixar isso acontecer?
Não! Não iria. Segurou a mão do
Mal e flutuou com ele pela cidade. A chuva caindo em seu rosto como lágrimas...
Seu ego ferido sangrando em seu coração e em sua alma perdida... Voou de mãos
dadas com o Pecado para o alto.
Era só mais um dos prédios altos
de São Paulo. Era só mais um edifício frio de concreto erigido pelas mãos de
homens pobres, projetado pela cabeça de pessoas de classe média e provavelmente
articulado do sonho de mais um magnata de meia idade.
A chuva caia... E O Mal a soltara
de seus braços e apenas observava o ruflar das asas de um humano.
Natasha abriu suas asas e como um
anjo às pendera para voar, sem perceber estava partindo para ares
desconhecidos, para um mundo que ainda não conhecia. Ela partiu para sua
Jornada eterna.
E rindo-se em extasia, o maior de
todos os pecados assistia o vôo [ou a queda], a garota o havia dado ouvidos,
mas quem não daria? Todos o escutam. Todos ouvem a voz do Orgulho.
TEXTO PRESENTE NO EBOOK OLHARES DA NOITE:
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