Calêndula
Mal-me-quer,
bem-me-quer, e se ele simplesmente não
quiser? Adriana passava por sobre a rua ladrilhada de brilhantes
e o amarelo das calêndulas
manchava o chão de incerteza. Porque ir em direção a Solidão?
Tocava o poeta, cantava o sabiá,
chorava o noivo à espera da noite, quando os apressados passos cruzassem o
portão. Cada um a seu modo, a observava ir embora lentamente em seus passos
comedidos.
Mas não havia em Adriana poesia ou
dor de não casar. Havia apenas o amarelar do bem me quer por não querer. Da
incerteza de não saber se ele a amava. Não quis o noivo, esqueceu do poeta,
abandonou o sabiá.
Do alto da casa verde, Rômulo a
olhava como Nero, estava enlouquecido e o amarelar das calêndulas se misturava ao bailar
das águas da tristeza. O rubro das rosas se desmanchava no chão de arenito e
calcário, para então cair da calçada em direção aos diamantes que ele ladrilhou
na rua dela.
No verde avermelhado de suas
lembranças, ele viu cair em si a ciranda da vida, enquanto Der Reigen tocava
fazendo-o ouvir o doce murmúrio da voz de sua amada cantando o amargo gritar do
adeus.
– O amor de que tu me tinhas era
de vidro e se quebrou. – Ela murmurava em sua voz enervada, não parecia
preocupar-se em tornar vidro o coração dele.
– Quem gosta de você sou eu. – Ele
dizia quebrando-se.
Quem gosta dela sou eu, ele
repetia para si e para o mundo de casas coloridas. Mas quem o ouviria? O sabiá
em sua árvore decerto o ignorava, enquanto as folhas de outono se misturavam as
calêndulas
ao chão.
Adriana continuava lentamente seu
caminhar de fim de tarde, afinal, apenas quando o sol se põe os portões de
Solidão se abrem. Não havia pressa em seu caminhar sereno e na verdade evitava
chegar à árvore do sabiá ou a casa do poeta, afinal, já havia se despedido do
noivo, mas ainda não dos dois.
– Turuti, turuti, turuti, é pra ti
que ele canta, é por ti que ele chora. – Cantava alheio ao mundo, o autista
sabiá.
Por um momento, a jovem pensou em
continuar sem responder, mas como podia deixar de dizer adeus a tão bela ave
que tanto cantou em sua janela? Como não dizer adeus às lembranças felizes de
sua vida que nunca mais veria em solidão?
– Quem canta por mim? – Ela sorriu
ao parar um instante.
– Turutiri, turutiri. Porque sorri
se vai embora?
– Para que chorar diante da
tristeza? Ainda é dia e o céu está manchado de calêndulas, assim como o chão.
Incerteza. Ele a ama ou ele não a
ama? O Céu falava com os anjos e continuava incerto e assim seria enquanto o
dia durasse. Apenas a noite trás as certezas que queremos evitar.
Mas o ele do sabiá e o ele dela,
eram tão diferentes quanto uma estrela pode ser da outra. Um era o poeta do fim
da rua e o outro... O outro era o anjo da monotonia, o senhor da casa preta e
branca.
– Turutiri, turutiri. Porque vai
embora?
Caiam as folhas como se fossem
lágrimas. Sabiá não chora, poetas sofrem e noivos serpenteiam rosas e
diamantes pelo chão. Adriana não sabia o que dizer, como responder aquilo que
não tem resposta?
Caiam lágrimas como se fossem
folhas, enquanto o tapete amarelo e vermelho se desprendia das cores do mundo
para bailar ao som do silêncio. Quebrando o coração de muitos ao não quebrar a
voz que permeia o vácuo. Ela pisou nas incertezas e nas lágrimas e continuou
calada pela rua.
Um embargo chegou a sua garganta,
lá estava o final da rua ao final do dia. A última casa tão perto de si. O
poeta, como sempre segurava o violão e cantava com seus olhos tristes, a canção
que cantou desde quando o chão foi ladrilhado.
Nos olhos dela, a lembrança do dia
em que partira o coração do poeta ao receber das mãos de Rômulo o anel de
noivado. Mas o anel não rodeava seu dedo e sim a vila. Os diamantes brilhavam
sobre a luz do sol cada vez que ela passava enquanto uma triste canção tentava
convocar a chuva e apagar o brilho.
Nos olhos do poeta, apenas a tristeza.
Maior ainda do que fora outrora, porque Adriana caminharia em direção a um
lugar sem cores, a monotonia de Solidão. Como ela podia querer partir dali?
A distância entre ele e ela se
fazia pouca, mas o amor faz com que logo ali seja tão longe e tão longe seja
logo ali. Para Adriana foi como se o sol se arrastasse junto aos seus pés, mas
para Breno, o poeta, o sol corria como as areias do tempo e o amargo amarelo
das calêndulas.
– Se essa rua, se essa rua fosse
minha. Eu mandava, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas, com pedrinhas de
brilhante, só pro meu, só pro meu amor passar. – E o amor estava passando,
atropelando tudo e a todos na rua de brilhantes, em busca apenas do caminho
para Solidão.
Adriana sorriu diante da tristeza.
Porque dizer adeus se os levaria na alma? Mas ainda teria alma quando chegasse
ao seu destino? Muita coisa muda em Solidão. Muita coisa é muda em Solidão.
Calaria também sua alma quando
chegasse à hora? Incerteza.
Mas o amarelo se rompeu em sons e
na voz doce que trazia palavras amargas. Pela primeira vez a canção do poeta
ouviria a continuação feita pela musa. Seria uma primeira última vez.
– Nessa rua, nessa rua tem um
bosque, que se chama, que se chama Solidão...
Envolvido pela voz da musa, o
poeta em silêncio chorava sem derramar lágrimas. Todas as águas do mundo
pareciam estar envolvidas dentro do rio que serpenteava em sua alma, e de fato,
seu espírito já não estava mais inundado de tristeza, ele era a própria que
escorria pelas notas que tocava.
– Porque decide ir embora? Porque
se jogar diante da solidão de um amor tão incerto quanto às calêndulas
que se joga ao chão?
– A canção foi cantada meu caro.
Porque não dizer adeus se o próprio Deus é que decide nossos destinos?
– Que Deus é esse que te escolhe
por longe de mim? Que Deus é esse que nos enche de incertezas? Que Deus é esse
que mancha nosso sangue de amarelo?
– Não existem incertezas de fato.
Na verdade, temos ambos a total certeza que meu caminhar em solidão poderá dar
totalmente errado. Mas qual é a graça de viver sem riscos?
– Às vezes sem saber o porquê das
coisas, caminhamos em direção as certezas que fingimos ser incertas. Apenas
pelo desejo de ter aquilo que desejamos. E quão triste é essa certeza quando
percebemos que perdemos quem desejamos, porque este alguém não nos deseja
igual.
Calou-se por fim o poeta no
cantarolar das canções mudas de notas calendulares, o amarelo ao seu redor,
pareceu ainda mais amarelo do que o caminho das incertezas certas de Adriana.
Ele também dedilhava as respostas
que podia tirar das flores, mas ao contrario dela, ele ficaria ali. Fincado
eternamente por sobre os ladrilhos que desejava ter trilhado. Aqueles cheio de
pedrinhas de brilhantes, que Rômulo mandara fazer para a amada.
– Se essa rua, se essa rua fosse
minha. Eu mandava, eu mandava ladrilhar. Com pedrinhas, com pedrinhas de
brilhantes, para o meu, para o meu amor passar...
Ela foi passando em direção ao
final da rua. Os portões impassivelmente fechados a encaravam com ar de
certeza. Ali era o final das casas coloridas e o umbral a caminho da monotonia.
Logo a sua frente, estava a solidão.
No inicio do caminho, Rômulo ainda
despetalava as rosas
em vermelho sangue, enquanto seu rubro esgar caia junto a sua vida na sacada.
Seu caminho era também para o bosque, mas para um bosque ainda mais solitário
do que Solidão.
O sabia continuou cantando sua
marcha triste e fúnebre, trazendo consigo a melodia que acompanhava a voz de
Breno, estavam juntos nessa empreitada enquanto o sol caia lentamente.
Os portões impassíveis passaram a
encarar Adriana enquanto esta também os observava. As incertezas cessaram ali
quando finalmente o sol chegou a seu ângulo final e os indiferentes
escancararam-se para a incerteza.
Já pleno de certezas em sua casa
amarela, o poeta cantava sua musica enquanto manchava o chão de calêndulas
que eram incapazes de defender-se da antiga ladainha.
Mal-me-quer,
Bem-me-quer. Ela simplesmente não me quer.
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