quinta-feira, 7 de junho de 2012

Lucifero



Lucífero

O mundo era jovem enquanto ele caminhava com seus milênios de velhice, sua luz iluminava parcialmente arvores do Éden. Muitos o tomariam depois como a serpente que convenceu Eva a comer o fruto proibido, mas ainda não havia fruto nessa ocasião, nem mesmo Eva.
O anjo caminhou lentamente sobre a relva, sentindo os aromas trazidos dos ventos que na época eram ainda mais fortes com sua jovialidade.
Porque fazer isso estrela da manhã? Eles perguntavam, mas o anjo sequer deu-se o trabalho de responder. Há muito ignorava também as verdadeiras estrelas que indagavam sobre o caminhar noturno de tal criatura.
E a criatura angelical era bela. Seus cabelos negros caiam pesadamente em suas sobrancelhas, alguns fios tocavam seu alvo rosto adolescente, acentuando sua leve expressão de sofrimento.
Ao longe, uma figura humana observava o que para ela seria um garoto de asas brancas. Seu coração batia intensamente em um misto de paixão, pena, desejo, amor. Porque os corações humanos são mais susceptíveis a beleza quando ela lhes parece triste. E ninguém é mais susceptível a tristeza angelical do que uma mulher.
Mas aquela de longos cabelos negros, tez morena e olhos amendoados não era uma simples mulher, seu nome seria conhecido por muitos séculos, junto com sua lenda, seu nome era Lilith.
– O que faz aqui? Teu lugar é com marido. – Disse o anjo, suficientemente alto para que ela ouvisse, mas apenas ela.
Maravilhada pela voz adolescente e musical, a jovem mulher caminhou em direção ao anjo. Nunca havia visto tal criatura, que parecia vir do céu, mas não era austera como Deus ou os anjos que havia visto.
– Não quero mais estar com meu marido. – Respondeu. – Mas não tenho para onde ir e então quando ele adormece, eu passeio pelo jardim. – Quem é você?
O anjo sorriu, há muito não ouvia alguém perguntar algo assim. Pois em todo lugar que ele fosse, todos os seres o reconheceriam, porque ele caiu do céu, expulso do paraíso por seu ímpeto de questionar o Pai.
 – Meu nome é Lúcifer.
– Aquele que se rebelou contra Deus...
A expressão de tristeza se acentuou no rosto de Lúcifer, ele não gostava de lembrar dos tempos em que vivera no céu, na cidade dourada. A dor ainda era nova e pungente. Talvez para aplacá-la ele estava ali, prestes a mudar o destino da criação mais importante de Deus.
– Não, não. Não é uma critica. É que eu estou pensando o que aconteceria comigo se resolvesse me revoltar, provavelmente ele me expulsaria do Éden.
– A não ser que você fuja por contra própria...
Um longínquo ruflar de asas foi ouvido pela Estrela da Manhã, tão ao longe que demoraria horas até chegar ao Éden, mas isso alertou Lúcifer da futura presença de seus inimigos. Era hora de concluir seu plano, antes que fosse tarde demais.
– Agora vá. – Continuou o Anjo. – Você não deve ficar mais aqui ao meu lado por muito tempo. Em breve os anjos do Pai virão me enfrentar e eu não posso me atrasar de forma alguma.
– Mas...
– Vá!
Lilith correu, mas apenas o suficiente para que o anjo não a percebesse escondida na relva, a curiosidade humana a corroia por dentro e ela precisava saber o que o inimigo de Deus fazia no centro de Sua grande obra.
Uma luz violácea iluminou o centro do paraíso, Lúcifer invocava poderes ancestrais, encantamentos incompreensíveis até mesmo para os magos humanos que surgiriam após os séculos. Porque aquele seria o momento em que toda magia da humanidade seria criada, o livre-arbítrio era inventado. Pelas mãos mágicas do portador da luz.
Por duas horas Lúcifer invocou a luz para dar forma ao seu plano e o ruflar de asas chegava cada vez mais perto, pronto para impedi-lo.
Do chão a relva começou a formar-se mais espessa até que raízes foram surgindo. O caule foi surgindo através da luz violeta e tomando uma forma cada vez mais forte e indestrutível. Galhos despontaram lentamente, um por um. Até que árvore do conhecimento do bem e do mal, a Daath, estivesse plenamente pronta. A não ser pelos seus fatídicos frutos.
A luz diminuiu de intensidade até sumir completamente na noite, o sofrimento do anjo acentuou-se mais ainda num esgar de cansaço físico e mental. Mas ainda não era o fim, tão somente a árvore não daria para o homem o conhecimento necessário para a ascensão.
– Pare ai! Perverso. – Disse uma voz que vagou por todo o Éden. – Porque nos toma por ignorantes? Não vês que Deus tudo percebe em seus domínios? Não vê que sua erva daninha não florecerá, nem dará frutos? Quem tu pensas que é ó Querubim resplandecente para nos afrontar dessa maneira?
Uma luz mais brilhante que o dia desceu do céu, seguida de dois orbes iluminados. Os três maiores arcanjos desciam do céu para mais uma vez enfrentar o opositor dos planos divinos.
– Tu caíste justamente por ser contra a criação das criaturas de barro, porque agora nos enfrenta desta maneira suicida para ajudá-los? – Perguntou o mais resplandecente, Miguel. – Porque dar chama da tua luz ao homem, Prometeu?
– Porque é o único jeito deles terem algum caminho e visão à sua frente. Porque é a única maneira deles decidirem o próprio destino.
– Porque é a única maneira de você usar a alma que a Origem criou para elevar-se novamente aos Céus e lutar pelo trono da cidade dourada. – completou Rafael.
Miguel parecia nervoso por detrás de seus olhos azuis, sua mão agarrava-se ao cabo de sua espada de fogo, temendo qualquer ataque direto de seu inimigo. Já havia enfrentado Lúcifer uma vez e conhecia o poder do anjo a sua frente. – Não era nada que desejasse enfrentar de novo.
– Renda-se Querubim. Vá-te daqui e nós não o perseguiremos.
Lúcifer permitiu-se um leve sorriso de sarcasmo. – que aos olhos de Lilith o tornou ainda mais belo. – Estava perto demais para desistir agora e ele não temia a morte, pois era justamente o seu auto-sacrificio que terminaria sua obra prima.
– Renda-se...
Os olhos de Miguel e Lúcifer se encontraram, havia ali a rivalidade ancestral e o egocentrismo de ambos lutando em silêncio. Havia a inveja, o expatriado desejava o poder político do arcanjo e este por sua vez desejava a inteligência e sabedoria do expatriado. Havia o ódio, a magoa, a raiva e todos os sentimentos que um anjo era capaz de nutrir.
O arcanjo adiantou-se e puxou sua espada contra o querubim. O fogo azulado trepidou e converteu-se em labaredas altas e vorazes, atravessando o corpo de Lúcifer e a árvore que ele criou.
Ainda escondida, Lilith deixava-se derramar lágrimas no silêncio vazio de seu sofrimento. Não conseguia acreditar que o anjo com quem conversara agora jazia ali derrotado, sem sequer defender-se de maneira adequada. Como? Por quê?
Passos caminharam até seu lado, outro ser desejava assistir a contenda. O homem ao seu lado parecia também não entender a atitude de Lúcifer. Samael, o general dos demônios, estava ainda mais perplexo e desolado do que Lilith.
Pronunciando suas palavras de poder, Lúcifer novamente acendeu a luz violácea ao seu redor, que lentamente tomavam um tom púrpuro.
– Por quê? – O arcanjo era o mais perplexo de todos ali, não esperava que Lúcifer se entregasse assim tão facilmente.
– Você estaria disposto a entregar-se por um ideal? É isso que eu estou fazendo. Meu corpo se tornará a semente do conhecimento humano e minha luz, minha sabedoria será encontrada por aquele que a merecer durante o crepúsculo da humanidade. Eu serei a estrela que guiará as almas contra ti e o céu, Miguel, minha vingança será levantada contra a tirania.
Uma explosão púrpura invadiu todo o jardim do Éden e um fogo consumiu o corpo de Lúcifer junto a sua árvore que em vez de queimar tomou ainda mais forma. De súbito, as chamas converteram-se em suculentos frutos azul-eletrico e a espada de Miguel caiu limpa ao chão.
O príncipe dos arcanjos permanecia ali perplexo olhando para a imponente árvore a sua frente, aquele poder, aquela chama de magia não poderia ser dissipado, a árvore reinaria bela e única no centro do paraíso. A criação estava a um passo de ser arruinada.
– Não se preocupe, Irmão. – Falou Gabriel diante da preocupação de seu príncipe. – Lúcifer não conseguirá seu intento, o homem nunca irá comer esse fruto, pois nós ordenaremos que não o faça e por medo e temor, ele não o fará.
– Tem razão irmão, sem Lúcifer para convencer o homem, quem o convencerá? O homem não comerá desse fruto. – Profetizou o arcanjo.
Mas sua profecia se provou errada, porque a serpente do Éden agora fugia junto a Samael para as terras de Nod, onde arquitetaria sua vingança contra toda a humanidade. Lilith vira a luz da Estrela e agora se libertaria da submissão.
E com ela, o mundo conhecia a escolha.

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