segunda-feira, 4 de junho de 2012

In principio erat Ismália...



Mr. Я God

I
In principio erat Ismália...

    Sooner or later... this happens to everyone... To everyone...
       A chuva caia em demasia pela janela e nos olhos de Carlos Amante, pois sua própria amante o deixara para viver com outros amores em terras distantes da sua torre de marfim em Copacabana.
       A lua em vão tentava brilhar entre as pesadas nuvens negras que permeavam os pensamentos dele e essas tais nuvens cantavam com suas vozes roucas a musica que lentamente se desenrolava no radio que há horas tocava a mesma faixa do Pet Shop Boys: Love Comes Quikly, o amor chega rápido.
       Era verdade, ele chega e se vai rápido pelas escadas do décimo sexto arcano.
       Do alto de sua torre de ilusões ele divisou os passos que outrora poderiam ser de Amanda, mas que hoje eram apenas da empregada, que pelos cantos sorria da desgraça de seu patrão.
       – Você está ocupado com luzes erradas Carlos, uma hora ela iria cansar do seu amor. Amanda e você não fazem parte um do outro. – Gritava Martha da cozinha.
       O jovem nada respondeu, apenas observava as pesadas nuvens esvaírem-se de tanto chorar, enquanto a nevoa de sua alma ficava cada vez mais densa. Cada vez mais parecida com os céus de Londres.
       A cidade do relógio agora era o refugio do seu coração, porque Amanda preferira ficar por lá? Havia realmente ela se cansado de todo amor dado por ele?
       Assim como ele, Amanda apaixonara-se por um beijo, mas infelizmente para Carlos, não era pelo beijo dele que ela suspirava, enquanto ele jamais deixara de sentir o gosto dela em sua boca.
       Na estrada dos desencontros, a lua permanecia como se nada fosse mudar seu curso eterno, nem mesmo a ausência de amor ou sentimentos. O astro dos apaixonados continuava mostrando-se impassível diante das promessas e gritos silenciosos do jovem na janela.
       Do alto de sua torre de ilusões, Carlos contemplou as águas do mar. Tão longe dele quanto à lua, tão imensas quanto seu coração que se desmanchava em chuva dentro do caos que sua alma se tornara.
       Os porta-retratos falavam sobre momentos certos em horas erradas.
       – Lembra-te Carlos, quando você me presenteou com um buquê de violetas? Eu odiava violetas. – Amanda falava entre o sorriso do último dia dos namorados.
       – E quanto você pintou esse quadro! Meu Deus, eu tive que passar horas parada só para que você me pintasse. Que ridículo seu amor e eu o estou renegando com um sorriso nos lábios. – O próprio quadro brigava com ele em suas mil vozes femininas.
       Love comes quickly ... whatever you do ... you can't stop falling …
       Como não poder parar de se apaixonar, se todo o amor que ele possuía se fora na bolsa dela? Logo também perderia todo o dinheiro que adquirira em sua carreira promissora de pintor e da herança de família com bebidas e prostitutas.
       Como não caminhar para os lupanares? Quanto à própria lua e o mar parecem indiferentes ante toda a tristeza do mundo? Quando os próprios lobos parecem sempre correr em sua direção para arrancar mais do que carne e ossos?
       – Você deveria provar que me ama. – Finalmente uma Amanda quase real surgia a sua frente, do outro lado da janela.
       – Como? Se estou enlouquecido pela tua falta?
       – Venha ao meu encontro, estou aqui meu amor! Preparada para te dar o mundo e o mar.
       O velho e revoltoso Oceanus gritava com sua voz ondular sobre os perigos de se aceitar o convite de mil ilusões. Mas quem escuta as velhas forças e formas do mundo, quando seu amor está do outro lado da janela?
       A chuva entrou com toda sua força junto à noite. Mas na varanda já não havia mais ilusões ou insanidade, a chuva varrera todo o delírio do amor e deixara somente o ódio a todas as coisas divinas.
       – Porque Deus?! Porque fizeste isso comigo?!
       Sem resposta, ele continuou gritando e chorando ao competir com a portentosa voz dos trovões, até perceber que os céus falavam em meio a assustadora luz das tempestades.
Mil Silfos reinavam sobre seus ouvidos, gritando com suas vozes de ventania.
       – Deus criou a terra em seis dias, porque você não espera? – mas os ouvidos mortais não podiam ouvir o apelo dos elementos para que ele cessasse seu ódio alucinado pelo criador.
       – Deus!!! Desça aqui e me enfrente como homem!
       – Cale a boca mortal insolente! – Gritou um trovão de dentro da casa do visinho, mas era apenas mais um filme idiota. O velho e desbotado filme da vida.
       Cause… when you least expect it… Waiting round… the corner for you…
       Quanto você menos espera, o amor te ronda atrás de novos ares e você fica lá perdido no meio da varanda, no meio da tempestade, gritando contra Deus quando na verdade gritas contra si mesmo. Era assim que Carlos estava enquanto chorava entre gritos de medo e coragem.
       – Cedo ou tarde, isso acontece com todo mundo. Com todo mundo. – Por fim, ele citou sua parte favorita da musica.
       A voz do oceano entrou em seus ouvidos junto à voz da lua, queria ambos, mas não teria nenhum, pois suas asas jamais ruflariam e alçariam um vôo tão distante.
       Lá em baixo, estava o calçadão de Copacabana e algumas pessoas ainda permaneciam na chuva, vendo o delicioso mar que os contava suas mil histórias sem fim. Carlos as viu e fechou os olhos abrindo suas asas imaginarias no mais alto de sua torre de ilusões. A musica chegara ao fim.
       Você pode voar até o fim do mundo, mas onde isso te levaria?

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