terça-feira, 12 de junho de 2012

Supernova



Supernova

Eva deita sobre o jardim observando as jovens estrelas de um universo antigo. Abaixo da árvore ela aconchega seu corpo imaginando mundos além do seu. Ela observa as estrelas que riem e bailam ao redor de si mesmas.
Chove. A taça na mão do demônio enche-se das lágrimas do céu, ele calmamente bebe o prantear das estrelas enquanto a jovem rodopia ao redor da árvore. Assim como é embaixo é também acima.
Lá do alto a mais velha estrela assiste o bailar terreno. Ela está cansada e as estrelas que antes riam, choram sua iminente morte. Seu corpo brilha como nunca e ela vê a jovem na primavera de sua vida dançar ao redor de uma brilhante árvore. O bailar da Terra a detém por um instante, o nascer das flores na primavera, o gotejar da chuva no corpo nu de Eva.
– Bailem! – Ela diz as companheiras. – Dancem como sempre dançaram, pois este é o fim e o começo. Eu brilho hoje mais do que nunca, pois nós somos calor e deslumbramento. Nós somos destruição e nova matéria. Os fios do destino.
O demônio ria-se com sua taça, colhendo de vez em quando uma flor da árvore. Era belo assistir as estrelas, era belo ver a humana e era bela a flor do bem e do mal que ele detinha em sua mão. Mas era Setembro e a primavera sempre teima em mudar as coisas belas.
E apesar de teimosa, Eva cansa e novamente se deita, agora notando a presença de seu espectador. Ela não se assusta, pois o demônio é atraente como todas as coisas más; e ela está só em meio ao campo florido e a noite.
– Lindas! Elas estão assim desde que as vi pela primeira vez... Imutáveis em seu bailado etéreo, no mais alto palácio do céu. Serei eu também assim um dia? Imutável como as estrelas? – Perguntou a mãe de toda humanidade.
– Imutáveis? – o demônio sorri, derramando lágrimas de sua taça. – Como pode ser imutável aquilo que brilha? Como pode ser imutável aquilo que queima sua própria essência? Como pode ser imutável aquilo que é força e combustão? Elas dançam no mais alto céu a espera de um colapso. A beleza nunca é permanente, minha cara. – Ele estende a mão que segura à flor em direção a jovem. – Toma, esta é a mais bela flor que você verá em sua curta vida. Ela é como você, jovem e virgem, só será entendida quando ela definhar e da sua morte surgir o suculento fruto.
– Sou também virgem e aceito a flor, mas não desejarei ver o fruto, pois ele é a descendência da flor, vinda de sua degeneração. – respondeu Eva, aceitando o presente demoníaco.
– O bem é belo, mas apenas o mal é atraente. Da atração daquilo que é belo vem à ciência daquilo que é, foi e será. O saber é a morte da inocência que teima em parecer infindável, mas nada Eva, nada é imutável e a primaveril ingenuidade um dia dará lugar a outonal decadência. – O demônio volta a fitar sua cheia taça e sorri com os segredos que apenas ele sabe. – O paraíso é a utopia humana e as estrelas são sua ilusão de permanência. Mas se é tudo tão feito de beleza, porque as estrelas choram e chove no paraíso?
Eva se cala.  Em parte deslumbrada com a beleza da flor, mas principalmente por não saber a resposta. E em sua duvida, ela sente o peso do desconhecido em seu peito e as lágrimas subirem a seus olhos e lá encontrar margem.
– Não, não chore ainda minha criança. – disse o demônio. – Não é a hora de se entristecer com a chuva ou com as estrelas que definham. Não é hora de chorar pelo seu trágico futuro. Haverá tempo, mas esta noite é primavera e o primeiro dia é sempre o mais belo. Aproveite, enquanto ainda não é inverno de novo.
– Mas... Mas elas são lindas e brilhantes. Elas parecem tão eternas aqui debaixo. Como diamantes incandescentes no alto do palácio celeste. Elas têm de serem eternas, elas precisam durar para sempre. Porque daqui elas parecem tão calmas, como esse paraíso.
O demônio sorriu antevendo o futuro. – Diamantes duram mais que os homens, mas não são eternos. Estrelas duram mais que diamantes, mas morrem. Porque apesar de parecerem brilhantes, belas e calmas. Dentro delas há o inicio de sua própria destruição. Cedo ou tarde, diamantes se tornam grafite e estrelas engolem tudo ao seu redor. E paraísos... bem... eu sei melhor que você mesma, sua natureza. Eu ajudei a cria-la.
A estrela mais velha assiste o desabrochar das flores e chora ouvindo as palavras do anjo. Ele a entende, pois também é fruto da decadência que a luz gera. Pois ele também flamejou acima de todas as coisas e apagou-se pelo seu próprio brilho. Ele a entende, pois também ri e chora ao conversar com a jovem. Ele a entende, pois é o principio da paixão e ela é a sua intensidade.
– A paixão é a mais brilhante chama existente. No éter ela brilha mais que Esperança ou Virtude e queima mais que a Fé. Porque paixão é desejo e nada é mais poderoso do que um coração que pulsa por algo. Nada se destrói com mais vivacidade, mas é a essa destruição que as coisas devem sua beleza. Nada que é paixão pode viver pra sempre. Mas de nada adianta viver eternamente, sem ao menos uma vez sentir a beleza, o calor que é ser intenso como chama e essa é inveja dos deuses. – disse Aster, para suas companheiras.
Seu brilho aumenta o ritmo frenético da dança fúnebre que de triste tem apenas as lágrimas que intermitentes alteram-se com risos. O fim é um começo e todos os começos um dia tem seu fim. Essa é a parte da Sonata Prima que cabe as estrelas. De sua explosão o fim, de seu fim, o começo, pois tudo foi estrela um dia. Tudo um dia, foi paixão.
– Eu tenho medo. – disse baixinho a moribunda.
– Você é o próprio desejo, como poderia não hesitar perante o fim? – Gritaram as outras.
– Eu sou paixão e todo meu bailar vem à espera de um colapso. Brilho mais que todas as estrelas do céu e morro.
– E eu também morrerei um dia. – respondeu o demônio a sua mais antiga mãe e amiga.
A taça encheu-se de lágrimas e pesou mais que a mão de seu dono. Cai a taça e o vidro estilhaça espalhando lágrimas ao vento que se forma. Lá do céu começa a tempestade.
Muitas são as flores que nascem e muitas são as flores que morrem. Eva sente-se triste e sozinha na solidão da chuva de Setembro. Seu coração morre e se estilhaça como cacos de cristal e diamante. Ela se segura na árvore do bem e do mal, pois não pode conter a tempestade.
O vento se torna mais forte à medida que a confusão aumenta. Em suas mãos a ciência do bem e do mal e a consciência do fim esmaga seu peito contra as inúmeras flores. Eva afoga-se em beleza, no meio do jardim, ela debate-se em flores. E em sua inocência, ela crê que está indo a um mundo de cores.
A noite torna-se dia no meio da noite. O céu brilha como nunca brilhou anteriormente, Eva deita-se arfando em meio a beleza e seus olhos cintilam com a imensidão do céu. Nem mesmo as flores podem ser tão bonitas, nem mesmo o bem e o mal podem ser tão atraentes.
O violeta se funde ao vermelho, ao verde, azul, amarelo e outras cores que não foram inventadas. E a intensidade a queima por dentro ao passo que nem mesmo o vento pode tira-la dali.
As palavras do demônio reverberam em sua cabeça e ela já não sabe se sua consciência é mesmo sua ou se pertence ao mundo.
Como pode ser belo aquilo que permanece? A beleza é a virtude daquilo que brilha e todo brilhar é o preludio de um caótico fim e no começo era o caos.
Lá no alto morre a anciã e lá em baixo queima-se de deslumbramento a donzela. O demônio, que é mãe de todos os prazeres e pai de todos os desenlaces, apenas assiste os olhos virginais de Eva brilhar com a luz da paixão. Ele já não pode sentir isso.
– Você já foi uma estrela, assim como eu e todas as coisas que compõe o universo e ele próprio já foi um astro que se incendiou em seu próprio esgotamento. A historia sempre se repete, mas ainda é belo assisti-la pelos olhos inocentes. Você é matéria de estrela, você é matéria de sonho. – O demônio assiste o último brilhar de Aster sumir, é tão lindo céu em supernova.
– E é tão triste o azul da noite quando ela passa... – respondeu Eva exausta após o incendiar de seu próprio coração.
Seus olhos fecharam-se no pranto e ela sentiu o frio do fim afoga-la no escurejar da noite, mas logo a estrela rainha ascendeu aos céus e o novo início veio ao seu encontro e ela estava num mundo além do dela.
Ela abre os olhos e percebe que o sonho acabou.
No meio do jardim, Eva conheceu Adão.

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