Supernova
Eva deita sobre o jardim
observando as jovens estrelas de um universo antigo. Abaixo da árvore ela
aconchega seu corpo imaginando mundos além do seu. Ela observa as estrelas que
riem e bailam ao redor de si mesmas.
Chove. A taça na mão do demônio
enche-se das lágrimas do céu, ele calmamente bebe o prantear das estrelas
enquanto a jovem rodopia ao redor da árvore. Assim como é embaixo é também
acima.
Lá do alto a mais velha estrela assiste
o bailar terreno. Ela está cansada e as estrelas que antes riam, choram sua
iminente morte. Seu corpo brilha como nunca e ela vê a jovem na primavera de
sua vida dançar ao redor de uma brilhante árvore. O bailar da Terra a detém por
um instante, o nascer das flores na primavera, o gotejar da chuva no corpo nu
de Eva.
– Bailem! – Ela diz as
companheiras. – Dancem como sempre dançaram, pois este é o fim e o começo. Eu
brilho hoje mais do que nunca, pois nós somos calor e deslumbramento. Nós somos
destruição e nova matéria. Os fios do destino.
O demônio ria-se com sua taça,
colhendo de vez em quando uma flor da árvore. Era belo assistir as estrelas,
era belo ver a humana e era bela a flor do bem e do mal que ele detinha em sua
mão. Mas era Setembro e a primavera sempre teima em mudar as coisas belas.
E apesar de teimosa, Eva cansa e
novamente se deita, agora notando a presença de seu espectador. Ela não se
assusta, pois o demônio é atraente como todas as coisas más; e ela está só em
meio ao campo florido e a noite.
– Lindas! Elas estão assim desde
que as vi pela primeira vez... Imutáveis em seu bailado etéreo, no mais alto
palácio do céu. Serei eu também assim um dia? Imutável como as estrelas? –
Perguntou a mãe de toda humanidade.
– Imutáveis? – o demônio sorri,
derramando lágrimas de sua taça. – Como pode ser imutável aquilo que brilha?
Como pode ser imutável aquilo que queima sua própria essência? Como pode ser
imutável aquilo que é força e combustão? Elas dançam no mais alto céu a espera
de um colapso. A beleza nunca é permanente, minha cara. – Ele estende a mão que
segura à flor em direção a jovem. – Toma, esta é a mais bela flor que você verá
em sua curta vida. Ela é como você, jovem e virgem, só será entendida quando
ela definhar e da sua morte surgir o suculento fruto.
– Sou também virgem e aceito a
flor, mas não desejarei ver o fruto, pois ele é a descendência da flor, vinda
de sua degeneração. – respondeu Eva, aceitando o presente demoníaco.
– O bem é belo, mas apenas o mal
é atraente. Da atração daquilo que é belo vem à ciência daquilo que é, foi e
será. O saber é a morte da inocência que teima em parecer infindável, mas nada
Eva, nada é imutável e a primaveril ingenuidade um dia dará lugar a outonal
decadência. – O demônio volta a fitar sua cheia taça e sorri com os segredos
que apenas ele sabe. – O paraíso é a utopia humana e as estrelas são sua ilusão
de permanência. Mas se é tudo tão feito de beleza, porque as estrelas choram e
chove no paraíso?
Eva se cala. Em parte deslumbrada com a beleza da flor,
mas principalmente por não saber a resposta. E em sua duvida, ela sente o peso
do desconhecido em seu peito e as lágrimas subirem a seus olhos e lá encontrar
margem.
– Não, não chore ainda minha
criança. – disse o demônio. – Não é a hora de se entristecer com a chuva ou com
as estrelas que definham. Não é hora de chorar pelo seu trágico futuro. Haverá
tempo, mas esta noite é primavera e o primeiro dia é sempre o mais belo.
Aproveite, enquanto ainda não é inverno de novo.
– Mas... Mas elas são lindas e
brilhantes. Elas parecem tão eternas aqui debaixo. Como diamantes
incandescentes no alto do palácio celeste. Elas têm de serem eternas, elas
precisam durar para sempre. Porque daqui elas parecem tão calmas, como esse
paraíso.
O demônio sorriu antevendo o
futuro. – Diamantes duram mais que os homens, mas não são eternos. Estrelas
duram mais que diamantes, mas morrem. Porque apesar de parecerem brilhantes,
belas e calmas. Dentro delas há o inicio de sua própria destruição. Cedo ou
tarde, diamantes se tornam grafite e estrelas engolem tudo ao seu redor. E
paraísos... bem... eu sei melhor que você mesma, sua natureza. Eu ajudei a
cria-la.
A estrela mais velha assiste o
desabrochar das flores e chora ouvindo as palavras do anjo. Ele a entende, pois
também é fruto da decadência que a luz gera. Pois ele também flamejou acima de
todas as coisas e apagou-se pelo seu próprio brilho. Ele a entende, pois também
ri e chora ao conversar com a jovem. Ele a entende, pois é o principio da
paixão e ela é a sua intensidade.
– A paixão é a mais brilhante
chama existente. No éter ela brilha mais que Esperança ou Virtude e queima mais
que a Fé. Porque paixão é desejo e nada é mais poderoso do que um coração que
pulsa por algo. Nada se destrói com mais vivacidade, mas é a essa destruição
que as coisas devem sua beleza. Nada que é paixão pode viver pra sempre. Mas de
nada adianta viver eternamente, sem ao menos uma vez sentir a beleza, o calor
que é ser intenso como chama e essa é inveja dos deuses. – disse Aster, para
suas companheiras.
Seu brilho aumenta o ritmo
frenético da dança fúnebre que de triste tem apenas as lágrimas que
intermitentes alteram-se com risos. O fim é um começo e todos os começos um dia
tem seu fim. Essa é a parte da Sonata Prima que cabe as estrelas. De sua
explosão o fim, de seu fim, o começo, pois tudo foi estrela um dia. Tudo um
dia, foi paixão.
– Eu tenho medo. – disse baixinho
a moribunda.
– Você é o próprio desejo, como
poderia não hesitar perante o fim? – Gritaram as outras.
– Eu sou paixão e todo meu bailar
vem à espera de um colapso. Brilho mais que todas as estrelas do céu e morro.
– E eu também morrerei um dia. –
respondeu o demônio a sua mais antiga mãe e amiga.
A taça encheu-se de lágrimas e
pesou mais que a mão de seu dono. Cai a taça e o vidro estilhaça espalhando
lágrimas ao vento que se forma. Lá do céu começa a tempestade.
Muitas são as flores que nascem e
muitas são as flores que morrem. Eva sente-se triste e sozinha na solidão da
chuva de Setembro. Seu coração morre e se estilhaça como cacos de cristal e
diamante. Ela se segura na árvore do bem e do mal, pois não pode conter a
tempestade.
O vento se torna mais forte à
medida que a confusão aumenta. Em suas mãos a ciência do bem e do mal e a
consciência do fim esmaga seu peito contra as inúmeras flores. Eva afoga-se em
beleza, no meio do jardim, ela debate-se em flores. E em sua inocência, ela crê
que está indo a um mundo de cores.
A noite torna-se dia no meio da
noite. O céu brilha como nunca brilhou anteriormente, Eva deita-se arfando em
meio a beleza e seus olhos cintilam com a imensidão do céu. Nem mesmo as flores
podem ser tão bonitas, nem mesmo o bem e o mal podem ser tão atraentes.
O violeta se funde ao vermelho,
ao verde, azul, amarelo e outras cores que não foram inventadas. E a
intensidade a queima por dentro ao passo que nem mesmo o vento pode tira-la
dali.
As palavras do demônio reverberam
em sua cabeça e ela já não sabe se sua consciência é mesmo sua ou se pertence
ao mundo.
Como pode ser belo aquilo que
permanece? A beleza é a virtude daquilo que brilha e todo brilhar é o preludio
de um caótico fim e no começo era o caos.
Lá no alto morre a anciã e lá em
baixo queima-se de deslumbramento a donzela. O demônio, que é mãe de todos os
prazeres e pai de todos os desenlaces, apenas assiste os olhos virginais de Eva
brilhar com a luz da paixão. Ele já não pode sentir isso.
– Você já foi uma estrela, assim
como eu e todas as coisas que compõe o universo e ele próprio já foi um astro
que se incendiou em seu próprio esgotamento. A historia sempre se repete, mas
ainda é belo assisti-la pelos olhos inocentes. Você é matéria de estrela, você
é matéria de sonho. – O demônio assiste o último brilhar de Aster sumir, é tão
lindo céu em supernova.
– E é tão triste o azul da noite
quando ela passa... – respondeu Eva exausta após o incendiar de seu próprio
coração.
Seus olhos fecharam-se no pranto
e ela sentiu o frio do fim afoga-la no escurejar da noite, mas logo a estrela
rainha ascendeu aos céus e o novo início veio ao seu encontro e ela estava num
mundo além do dela.
Ela abre os olhos e percebe que o
sonho acabou.
No meio do jardim, Eva conheceu
Adão.
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