Mr. Я God
III
Sétimo dia
Eu, filho
do carbono e do amoníaco. Monstro de escuridão e rutilancia. Sofro desde a
epigenege da infância, a influencia má dos signos do zodíaco.
Piiiiiiiiiiiii... O coração parou
no descanso de Deus e logo voltou a bater em cadência elétrica. O corpo que
logo se curou do mal físico, não percebeu o compasso triste do pulsar
obrigatório.
Vivo apenas
por estar. Caminhando sozinho. Vivo por apenas
estar caminhando. Carlos se foi com a alma em baixa, queria ficar no
hospital, na verdade queria voltar para o principio. Sua inconsciência
inconsequentemente ansiava voltar para onde nunca estivera de fato, para uma
sala de espelhos e lembranças. Onde a voz de Deus era a música que formava o
mundo.
O Táxi corria em seu ritmo lento
e estressante, enquanto o motorista puxava conversa sobre coisas que de fato
entendia. A resposta para a vida, o universo e tudo mais. O número 42 da história de Douglas Adams.
Mas Carlos ainda não estava pronto para ouvir e apenas estudava o chão de
calsita e basalto que ondulava em lembranças cruéis.
De frente para o apartamento ele
ousou levantar uma prece a um Senhor que não acreditava existir. Algo havia
mudado depois da queda, aquele chão ondular havia bebido o seu sangue. E como
um vampiro que atravessava até mesmo a luz do dia, clamava por mais.
– São trinta reais, senhor. – O
taxista interrompeu o delírio suicida.
– Aqui está, fique com o troco. –
Para onde ia, Carlos não precisava de mais dinheiro. Estava disposto a
continuar de onde havia parado.
– Sabe. Contou entediado o
motorista enquanto seu passageiro descia. Há algum tempo um homem tentou se
matar aqui. Não entendo como alguém pode pensar em morrer com uma paisagem tão
bela a sua volta.
Uma lágrima rolou da face insana.
Carlos não ousou responder, por um lado porque também não compreendia seus
próprios motivos e por outro o taxista o lembrava de um sonho, de uma frase
dita no escuro da alma.
“Não corra tão depressa, pare de
voar em minha direção.”
– Espere senhor, aqui! Se
precisar novamente me chamar. Ou se quiser comprar uma casa nova. – e tirou do
porta-luvas um cartão azul e dourado. Gabriel Arcanjo, imobiliária e táxis.
Carlos estudava o cartão enquanto
subia as escadas, por vergonha de encontrar pessoas no elevador. Sua cabeça
flutuava no espaço etéreo das idéias mal formuladas. Por um segundo, pareceu
achar a resposta, mas desistiu de ouvi-la.
As escadas do décimo terceiro
arcano deram em sua porta, mas o jovem hesitava em atravessar o umbral de seu
próprio lar. Lembranças gritavam lá dentro em desespero e ele temia que elas
irrompessem ao verem-se livres para voltar à mente que enlouqueceram uma vez.
Fechou os olhos e rompeu a
barreira de sua própria alma. Voltara ao principio do fim, o poleiro de onde
alçara vôo em direção a Dama Noturna o convidava a tentar novamente. Mas o
silêncio o impediu de repensar sobre o assunto. Abriu os olhos e parca luz que
adentrou pela janela o fez sentir nojo de sua própria presença ali.
Profundadissimamente
hipocondríaco, este ambiente me causa repugnância... Sobe-me a boca uma ânsia,
análoga à ânsia. Que se escapa a boca de um cardíaco.
Por um segundo seu coração parou
novamente de maneira filosófica. E o bip indefinido o fez retornar a varanda. O
céu manchava-se de negro evidenciando uma nova chuva, mas Carlos seria ainda
mais rápido.
– Alou. – Ligou do seu
blackberry. – Eu gostaria de falar com Gabriel, por favor. Eu desejo uma casa.
–Claro, senhor Amante. Ele irá
atendê-lo em um minuto.
Tal era a ânsia por respirar
novos ares que não percebeu o erro oculto no divisar do destino. Carlos Amante
já não mais amava e no esgar de seu desespero junto ao sofrimento nem havia
dito quem era. Mas Eles sabiam. Eles sempre sabem.
– Foste rápido. Bem, creio que
tenho a casa perfeita para ti. É bem localizada, bela, tradicional e com poucos
vizinhos discretos. Não é de frente para o mar, mas tem uma bela vista de um
imenso jardim paradisíaco.
– Quando posso ver a casa?
– Depois de amanhã, há alguma
papelada para ser resolvida e é melhor que o senhor a veja quando já estiveres
pronto para que ela seja tua.
Passos cruzaram a sala a caminho
da varanda. Dessa vez não houve duvida, era apenas a empregada. Amanda não voltaria.
– Bom dia doutor Carlos, como
vai? – Disse a sempre fria e cruel Marta. Porque mantinha aquela empregada que
em todo sibilar de suas palavras mostrava ser mais desumana que a própria
humanidade? Nem mesmo ele sabia.
Já o
verme. – este operário das ruínas. – Que o sangue podre das carnificinas come,
e à vida em geral declara guerra.
– Bom dia, repetiu. O senhor está
bem? Não devia ficar tão perto da varanda, sabe, pode acontecer outro acidente.
– de fato preocupava-se com a sanidade do patrão, ele podia tornar-se violento.
Ou pior: esquecer de lhe pagar o salário do final do mês. – Sabe, aquela
namorada sua ligou na sua ausência. Ela queria te dizer alguma coisa...
A faca da verdade transpassou-lhe
a alma desprecavida. De todas as coisas do mundo não esperava receber um
telefonema de Amanda, na verdade. Não esperava mais nada dela. Às vezes somente
se espera que a pessoa amada se vá e já não volte e muitas vezes quando ela
volta – e ela sempre volta. – não é da forma que esperávamos.
Psicologicamente vencido, ele
ergueu novamente o Blackberry e o sol negro irrompeu das nuvens trazendo a luz
acinzentada do terror e do receio. O medo invadiu-lhe a alma. O medo de se
ferir de novo.
– O senhor está bem? Deseja um
copo d’água?
Sim, desejava água, mas não às
águas do copo ou do mar. Desejava sim as águas que perdera no principio do
principio, quando era sua face que flutuava sobre a face do liquido amniótico.
Desejava sua mãe e um lar. Porque estava vencido e não era mais que o pó do pó
que existe na tristeza.
Anda a
espreitar meus olhos para roê-los, e há de deixar-me apenas os cabelos, na
frialdade inorgânica da terra.
– Alou. – Disse sem vontade ao outro lado da linha.
E do outro lado da vida, uma voz
fria e embargada lhe respondeu sem qualquer zelo uma frase seguida de palavras que
não fizeram sentido além dessas.
Amanda... Amanda se foi.
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