quarta-feira, 6 de junho de 2012

Setimo Dia


Mr. Я God
III
Sétimo dia

Eu, filho do carbono e do amoníaco. Monstro de escuridão e rutilancia. Sofro desde a epigenege da infância, a influencia má dos signos do zodíaco.
Piiiiiiiiiiiii... O coração parou no descanso de Deus e logo voltou a bater em cadência elétrica. O corpo que logo se curou do mal físico, não percebeu o compasso triste do pulsar obrigatório.
Vivo apenas por estar. Caminhando sozinho. Vivo por apenas estar caminhando. Carlos se foi com a alma em baixa, queria ficar no hospital, na verdade queria voltar para o principio. Sua inconsciência inconsequentemente ansiava voltar para onde nunca estivera de fato, para uma sala de espelhos e lembranças. Onde a voz de Deus era a música que formava o mundo.
O Táxi corria em seu ritmo lento e estressante, enquanto o motorista puxava conversa sobre coisas que de fato entendia. A resposta para a vida, o universo e tudo mais. O número 42 da história de Douglas Adams. Mas Carlos ainda não estava pronto para ouvir e apenas estudava o chão de calsita e basalto que ondulava em lembranças cruéis.
De frente para o apartamento ele ousou levantar uma prece a um Senhor que não acreditava existir. Algo havia mudado depois da queda, aquele chão ondular havia bebido o seu sangue. E como um vampiro que atravessava até mesmo a luz do dia, clamava por mais.
– São trinta reais, senhor. – O taxista interrompeu o delírio suicida.
– Aqui está, fique com o troco. – Para onde ia, Carlos não precisava de mais dinheiro. Estava disposto a continuar de onde havia parado.
– Sabe. Contou entediado o motorista enquanto seu passageiro descia. Há algum tempo um homem tentou se matar aqui. Não entendo como alguém pode pensar em morrer com uma paisagem tão bela a sua volta.
Uma lágrima rolou da face insana. Carlos não ousou responder, por um lado porque também não compreendia seus próprios motivos e por outro o taxista o lembrava de um sonho, de uma frase dita no escuro da alma.
“Não corra tão depressa, pare de voar em minha direção.”
– Espere senhor, aqui! Se precisar novamente me chamar. Ou se quiser comprar uma casa nova. – e tirou do porta-luvas um cartão azul e dourado. Gabriel Arcanjo, imobiliária e táxis.
Carlos estudava o cartão enquanto subia as escadas, por vergonha de encontrar pessoas no elevador. Sua cabeça flutuava no espaço etéreo das idéias mal formuladas. Por um segundo, pareceu achar a resposta, mas desistiu de ouvi-la.
As escadas do décimo terceiro arcano deram em sua porta, mas o jovem hesitava em atravessar o umbral de seu próprio lar. Lembranças gritavam lá dentro em desespero e ele temia que elas irrompessem ao verem-se livres para voltar à mente que enlouqueceram uma vez.
Fechou os olhos e rompeu a barreira de sua própria alma. Voltara ao principio do fim, o poleiro de onde alçara vôo em direção a Dama Noturna o convidava a tentar novamente. Mas o silêncio o impediu de repensar sobre o assunto. Abriu os olhos e parca luz que adentrou pela janela o fez sentir nojo de sua própria presença ali.
Profundadissimamente hipocondríaco, este ambiente me causa repugnância... Sobe-me a boca uma ânsia, análoga à ânsia. Que se escapa a boca de um cardíaco.
Por um segundo seu coração parou novamente de maneira filosófica. E o bip indefinido o fez retornar a varanda. O céu manchava-se de negro evidenciando uma nova chuva, mas Carlos seria ainda mais rápido.
– Alou. – Ligou do seu blackberry. – Eu gostaria de falar com Gabriel, por favor. Eu desejo uma casa.
–Claro, senhor Amante. Ele irá atendê-lo em um minuto.
Tal era a ânsia por respirar novos ares que não percebeu o erro oculto no divisar do destino. Carlos Amante já não mais amava e no esgar de seu desespero junto ao sofrimento nem havia dito quem era. Mas Eles sabiam. Eles sempre sabem.
– Foste rápido. Bem, creio que tenho a casa perfeita para ti. É bem localizada, bela, tradicional e com poucos vizinhos discretos. Não é de frente para o mar, mas tem uma bela vista de um imenso jardim paradisíaco.
– Quando posso ver a casa?
– Depois de amanhã, há alguma papelada para ser resolvida e é melhor que o senhor a veja quando já estiveres pronto para que ela seja tua.
Passos cruzaram a sala a caminho da varanda. Dessa vez não houve duvida, era apenas a empregada. Amanda não voltaria.
– Bom dia doutor Carlos, como vai? – Disse a sempre fria e cruel Marta. Porque mantinha aquela empregada que em todo sibilar de suas palavras mostrava ser mais desumana que a própria humanidade? Nem mesmo ele sabia.
Já o verme. – este operário das ruínas. – Que o sangue podre das carnificinas come, e à vida em geral declara guerra.
– Bom dia, repetiu. O senhor está bem? Não devia ficar tão perto da varanda, sabe, pode acontecer outro acidente. – de fato preocupava-se com a sanidade do patrão, ele podia tornar-se violento. Ou pior: esquecer de lhe pagar o salário do final do mês. – Sabe, aquela namorada sua ligou na sua ausência. Ela queria te dizer alguma coisa...
A faca da verdade transpassou-lhe a alma desprecavida. De todas as coisas do mundo não esperava receber um telefonema de Amanda, na verdade. Não esperava mais nada dela. Às vezes somente se espera que a pessoa amada se vá e já não volte e muitas vezes quando ela volta – e ela sempre volta. – não é da forma que esperávamos.
Psicologicamente vencido, ele ergueu novamente o Blackberry e o sol negro irrompeu das nuvens trazendo a luz acinzentada do terror e do receio. O medo invadiu-lhe a alma. O medo de se ferir de novo.
– O senhor está bem? Deseja um copo d’água?
Sim, desejava água, mas não às águas do copo ou do mar. Desejava sim as águas que perdera no principio do principio, quando era sua face que flutuava sobre a face do liquido amniótico. Desejava sua mãe e um lar. Porque estava vencido e não era mais que o pó do pó que existe na tristeza.
Anda a espreitar meus olhos para roê-los, e há de deixar-me apenas os cabelos, na frialdade inorgânica da terra.
– Alou. – Disse sem vontade ao outro lado da linha.
E do outro lado da vida, uma voz fria e embargada lhe respondeu sem qualquer zelo uma frase seguida de palavras que não fizeram sentido além dessas.
Amanda... Amanda se foi.

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